Famílias de mortos aguardando a liberação dos corpos no IML do Rio. (Arquivo)

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro entrega nesta segunda-feira (3) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um relatório com denúncias de moradores do Complexo da Penha sobre a megaoperação policial realizada na semana passada. O documento será apresentado em audiência marcada para as 16h30 e reúne relatos colhidos pela ouvidoria externa da Defensoria, incluindo queixas dos complexos da Penha e do Alemão.

Relator da ADPF das Favelas, Moraes é responsável por acompanhar ações voltadas à redução da letalidade policial em comunidades. Segundo o chefe da Defensoria fluminense, Paulo Vinícius Cozzolino Abrahão, o objetivo é garantir transparência na apuração dos fatos e acesso a perícia independente.

Entre os principais pontos do relatório estão a restrição de acesso de peritos da Defensoria ao Instituto Médico Legal (IML), a ausência de apoio às famílias das vítimas e a falta de informações claras sobre os procedimentos adotados. “A Defensoria tem seu próprio corpo de peritos técnicos. A perícia foi feita pela Polícia Civil e pelo MP-RJ, mas a população queria outra perícia para dar mais transparência”, afirmou Thaís Lima, coordenadora de Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria.

No domingo (2), Moraes determinou que o governo do Rio preserve “todos os elementos materiais” relacionados à operação, incluindo provas periciais e respectivas cadeias de custódia. A decisão também garante à Defensoria acesso ao material e à possibilidade de realizar contraprovas. Segundo o ministro, a medida visa permitir o “controle e averiguação” da atuação policial, sob responsabilidade do Ministério Público.

A Polícia Civil informou que o acesso ao IML estava restrito a policiais e membros do MP, classificando a medida como “rotina técnica” em “ambiente controlado”. Thaís Lima, no entanto, contestou a versão: “A Defensoria foi autorizada apenas a conhecer as instalações do IML, sem acesso para a perícia”.

A Secretaria de Estado de Polícia Militar declarou que colabora “integralmente com os procedimentos apuratórios e investigativos”.

Além das questões técnicas, o relatório destaca o drama das famílias que ainda buscam por corpos nas regiões da Vacaria e da Pedreira. Mulheres relataram ter sido acusadas de “fraude processual” após ajudarem a retirar cadáveres da mata, onde não houve isolamento inicial por parte da polícia. “Ainda há esperança de que haja corpos na mata”, disse Thaís Lima.

A Defensoria montou uma força-tarefa para prestar assistência às famílias, atuando no IML, na emissão de declarações de óbito, transporte e sepultamento, além de realizar escutas em territórios afetados. A ativista Ana Tobossi, moradora da Vila Cruzeiro, acompanhou buscas por corpos e ouviu relatos de mulheres que encontraram “homens sem as pontas dos dedos, com marcas de tiros na cabeça”.

Segundo Tobossi, passados os primeiros dias, muitas famílias ainda enfrentam dificuldades para obter apoio jurídico, psicológico e alimentar. “Elas não conseguem nem enterrar o que sobrou”, lamentou.

A Defensoria também pretende solicitar ao governo estadual acesso às imagens das câmeras corporais dos policiais e aos registros de entrada de vítimas no Hospital Getúlio Vargas. “Ainda havia corpos chegando”, afirmou Thaís Lima, que também criticou a lentidão na comunicação com os familiares, muitos deles residentes fora do Rio. “A presença majoritária é de mulheres, companheiras, mães e tias, que buscam por informações”, completou.