Cortejo de sepultamento na manhã deste sábado no Vaticano, com 250 mil presentes.(Reprodução TV)

Os sinos da Basílica de São Pedro tocaram na manhã de sábado, em Roma, para o funeral do Papa Francisco, poucos minutos antes do início da missa.

Diversos telões também foram instalados nos arredores do Vaticano para a transmissão da cerimônia, celebrada pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, ou seja, o mais idoso dos cardeais, com 91 anos.

Como o acesso à Praça de São Pedro foi aberto pouco depois das 6h no horário local (1h em Brasília), muitos fiéis chegaram de madrugada para tentar conseguir um lugar, alguns levando bandeiras nacionais, outros segurando uma foto do “papa dos pobres”. A celebração começou em torno das 10h (5h pelo horário de Brasília). O caixão foi levado por homens de dentro Basílica de São Pedro para a frente do altar. Em seguida, um evangelho aberto foi colocado sobre o caixão.

O acesso ao Vaticano foi controlado por um forte esquema de segurança, com centenas de agentes da polícia do Vaticano e os Carabinieri italianos e monitoramento semelhante ao de um aeroporto, incluindo scanners de raio-x.

Uma zona de exclusão aérea foi estabelecida sobre Roma e unidades antidrone foram mobilizadas com bloqueadores. Caças também estão prontos para decolar e atiradores estão posicionados nos telhados.

O esquema corresponde ao número importante de delegações estrangeiras, com 12 monarcas, 52 chefes de Estado e 14 chefes de Governo. A posição das autoridades seguiu a ordem alfabética do nome do país em língua francesa, segundo o protocolo.

Além do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholz e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer também estavam presentes pela Europa. O presidente russo, Vladimir Putin, que está sob um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), delegou sua ministra da Cultura, Olga Lyubimova.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e comitiva estiveram presentes.

O presidente argentino, Javier Milei, que já proferiu ofensas ao Papa Francisco, seu compatriota foi à cerimônia.

Também estavam presentes representantes de monarquias europeias como o rei Philippe e a rainha Mathilde da Bélgica, o rei Felipe VI e a rainha Letizia da Espanha, o príncipe William de Gales representando seu pai Charles III, o príncipe Albert II de Mônaco e sua esposa Charlene.

Homilia
Na homilia, o cardeal Re lembrou da última imagem do Papa Francisco no domingo passado, depois da missa de Páscoa, quando o Pontífice, apesar dos graves problemas de saúde, deu a sua bênção da sacada da Basílica de São Pedro. Depois, ele depois desceu para a praça para saudar, no papamóvel aberto, a multidão reunida para a missa.

O cardeal falou do vocabulário característico de Francisco, sua linguagem rica em imagens, metáforas, e sua espontaneidade. Ele destacou os gestos do Papa a favor dos refugiados e deslocados, além de seu constante trabalho pelos pobres.

O cardeal também destacou os diversos apelos pela paz que fez o Pontífice argentino. “Diante da fúria das muitas guerras destes anos, com horrores desumanos e com incontáveis mortes e destruição, o Papa Francisco incessantemente implorou paz e apelando à razão, à negociação honesta para encontrar soluções possíveis porque a guerra é sempre uma derrota trágica e dolorosa para todos”

250 MIL
Nesta semana, mais de 250 mil pessoas esperaram por horas para prestar suas homenagens diante dos restos mortais do líder de 1,4 bilhão de católicos, velado sob o teto dourado da Basílica de São Pedro.

Em todo o mundo, missas e vigílias são realizadas em homenagem ao pontífice. Em Buenos Aires, capital argentina, onde Jorge Bergoglio nasceu em 1936, uma missa ao ar livre foi celebrada neste sábado.

No final da missa, o caixão foi escoltado até a Basílica de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma. Foi neste santuário do século V, que já abriga os túmulos de sete papas, que Francisco escolheu ser sepultado.

Um grupo de 50 pessoas carentes esteve presente em sua chegada aos degraus da basílica, anunciou o Vaticano, lembrando que os pobres tiveram um lugar privilegiado “no coração e no magistério do Santo Padre, que escolheu o nome Francisco para nunca esquecê-los”.

Situado em um pequeno nicho próximo ao altar dedicado a São Francisco, o sóbrio túmulo de mármore terá apenas a inscrição “Franciscus”, Francisco em latim.

Após a celebração do funeral, todos os olhares se voltarão para os 135 cardeais eleitores — com menos de 80 anos — convocados para o conclave para escolher o sucessor do papa Francisco nas próximas semanas, a portas fechadas na Capela Sistina.

Mudanças no protocolo

Numa atitude surpreendente, o protocolo do Vaticano foi posto de lado para o funeral do Papa Francisco, com mudanças de última hora na disposição dos lugares na primeira fila.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a primeira-dama Melania foram colocados na primeira fila. À direita de Trump, o presidente da Finlândia e à sua esquerda, o presidente da Estônia. Ao lado do líder estoniano, o rei Felipe VI de Espanha, enquanto que ao lado do presidente finlandês o presidente francês Emmanuel Macron e a sua mulher Brigitte.


O Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy também teve um lugar na primeira fila, embora posicionado um pouco mais longe de Trump.
Nas escadas da Praça de São Pedro, Donald Trump e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, trocaram um aperto de mão.
Foi o primeiro encontro desde 21 de janeiro de 2020, quando os dois se encontraram no Fórum Econômico Mundial em Davos.
A interação limitou-se a cortesias formais, não a uma conversa completa, mas o tom pareceu notavelmente cordial, apesar das tensões sobre as tarifas entre as duas margens do Atlântico.

HOMILIA: “Foi um Papa no meio do povo, com um coração aberto a todos”

Esta é a íntegra da Homilia lida na solenidade de sepultamento do Papa Francisco;

“Nesta majestosa Praça de São Pedro, onde o Papa Francisco celebrou tantas vezes a Eucaristia e presidiu a grandes encontros ao longo destes 12 anos, encontramo-nos reunidos em oração à volta dos seus restos mortais com o coração triste, mas sustentados pelas certezas da fé, que nos garante que a existência humana não termina no túmulo, mas na casa do Pai, numa vida de felicidade que não terá ocaso.
Em nome do Colégio Cardinalício, agradeço de coração a presença de todos vós. Com grande emoção, dirijo uma deferente saudação e um vivo agradecimento aos Chefes de Estado, aos Chefes de Governo e às Delegações oficiais que vieram de muitos países para manifestar afeto, veneração e estima pelo Papa que nos deixou.


A manifestação popular de afeto e adesão, a que assistimos nos últimos dias, após a sua passagem desta terra para a eternidade, mostra-nos quanto o intenso pontificado do Papa Francisco tocou mentes e corações.
Com a nossa oração, queremos agora entregar a alma do nosso amado Pontífice a Deus, para que Ele lhe conceda a felicidade eterna no horizonte luminoso e glorioso do seu imenso amor.


Somos iluminados e guiados pela página do Evangelho, na qual ressoou a voz do próprio Cristo quando interpelou o primeiro dos Apóstolos: «Pedro, tu amas-me mais do que estes?» (cf. Jo 21, 15). E a resposta de Pedro foi pronta e sincera: «Senhor, Tu sabes tudo, Tu bem sabes que Te amo!». E Jesus confiou-lhe a grande missão: «Apascenta as minhas ovelhas» (cf. 17). Esta será constantemente a tarefa de Pedro e dos seus Sucessores, um serviço de amor na senda do Mestre e Senhor Jesus Cristo que «não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos» (Mc 10, 45).

Apesar da sua fragilidade nesta reta final e do seu sofrimento, o Papa Francisco escolheu percorrer este caminho de entrega até ao último dia da sua vida terrena.Seguiu as pegadas do seu Senhor, o bom Pastor, que amou as suas ovelhas até dar a própria vida por elas. E fê-lo com força e serenidade, junto do seu rebanho, a Igreja de Deus, ciente da frase de Jesus citada pelo Apóstolo Paulo: «A felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35).


Quando, a 13 de março de 2013, o Cardeal Bergoglio foi eleito pelo Conclave para suceder ao Papa Bento XVI, trazia consigo os anos de vida religiosa na Companhia de Jesus e, sobretudo, vinha enriquecido pela experiência de 21 anos de ministério pastoral na Arquidiocese de Buenos Aires, primeir como Bispo auxiliar, depois como Coadjutor e de seguida, especialmente, como Arcebispo.
A decisão de adotar o nome Francisco manifestou-se logo como a escolha do programa e do estilo em que queria basear o seu Pontificado, procurando inspirar-se no espírito de São Francisco de Assis. Conservou o seu temperamento e a sua forma de orientação pastoral, imprimindo de imediato a marca da sua forte personalidade no governo da Igreja, estabelecendo um contacto direto com cada pessoa e com as populações, desejoso de ser próximo a todos, com uma atenção especial às pessoas em dificuldade, gastando-se sem medida, em particular pelos últimos da terra, os marginalizados.


Foi um Papa no meio do povo, com um coração aberto a todos. Foi também um Papa atento àquilo que de novo estava a surgir na sociedade e àquilo que o Espírito Santo estava a suscitar na Igreja.
Com o vocabulário que lhe era caraterístico e com a sua linguagem rica de imagens e metáforas, procurou sempre iluminar os problemas do nosso tempo com a sabedoria do Evangelho, oferecendo uma resposta à luz da fé e encorajando-nos a viver como cristãos os desafios e as contradições destes anos cheios de mudanças, que ele gostava de descrever como uma “mudança de época”
Tinha uma grande espontaneidade e uma maneira informal de se dirigir a todos, mesmo às pessoas afastadas da Igreja. Dotado de grande calor humano e profundamente sensível aos dramas de hoje, o Papa Francisco partilhou em pleno as angústias, os sofrimentos e as esperanças do nosso tempo da globalização e, com uma mensagem capaz de chegar ao coração das pessoas de forma direta e imediata, dedicou-se a confortar e a encorajar.


O seu carisma de acolhimento e de escuta, associado a um modo de se comportar que é próprio da sensibilidade dos nossos dias, tocou os corações, procurando despertar energias morais e espirituais.
O primado da evangelização foi o guia do seu Pontificado, difundindo, com um claro cunho missionário, a alegria do Evangelho, que foi o título da sua primeira Exortação Apostólica Evangelii gaudium. Uma alegria que enche de confiança e esperança o coração de todos aqueles que se entregam a Deus.
O fio condutor da sua missão foi também a convicção de que a Igreja é uma casa para todos; uma casa com as portas sempre abertas.
Várias vezes utilizou a imagem da Igreja como um “hospital de campanha” depois de uma batalha em que houve muitos feridos; uma Igreja desejosa de cuidar com determinação dos problemas das pessoas e das grandes angústias que dilaceram o mundo contemporâneo; uma Igreja capaz de se inclinar sobre cada homem, independentemente da sua fé ou condição, curando as suas feridas
São inúmeros os seus gestos e exortações a favor dos refugiados e deslocados. Constante foi também a sua insistência em agir a favor dos pobres. É significativo que a primeira viagem do Papa Francisco tenha sido a Lampedusa, ilha símbolo do drama da emigração, com milhares de pessoas afogadas no mar.
Na mesma linha se inscreve a viagem a Lesbos, com o Patriarca Ecuménico e o Arcebispo de Atenas, e a celebração de uma Missa junto da fronteira mexicana com os Estados Unidos, por ocasião da sua viagem ao México.
Das suas 47 cansativas Viagens Apostólicas, ficará para a história, de modo especial, a que fez ao Iraque em 2021, desafiando todos os riscos. Essa difícil Visita Apostólica foi um bálsamo para as feridas do povo iraquiano, que tanto tinha sofrido com a ação desumana do Estado Islâmico.


Foi uma Viagem importante também para o diálogo inter-religioso, outra dimensão relevante do seu trabalho pastoral. Com a Visita Apostólica a quatro nações da Ásia-Oceânia, em 2024, o Papa chegou “à periferia mais periférica do mundo”.
O Papa Francisco sempre deu centralidade ao Evangelho da misericórdia, sublinhando repetidamente que Deus não se cansa de nos perdoar: Ele perdoa sempre, seja qual for a situação de quem pede perdão e regressa ao bom caminho.
Ele quis o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, destacando que a misericórdia é “o coração do Evangelho”. Misericórdia e alegria do Evangelho são duas palavras-chave do Papa Francisco.


Em contraste com o que ele designou por “cultura do descarte”, falou da cultura do encontro e da solidariedade. O tema da fraternidade atravessou todo o seu pontificado com tons vibrantes.
Na sua Carta Encíclica Fratelli tutti, pretendeu reanimar a aspiração mundial à fraternidade, porque todos somos filhos do mesmo Pai que está nos céus. Com força, recordou-nos muitas vezes que todos pertencemos à mesma família humana.
Em 2019, durante a Viagem aos Emirados Árabes Unidos, o Papa Francisco assinou um documento sobre “a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum”, evocando a comum paternidade de Deus.


Dirigindo-se a homens e mulheres de todo o mundo, na sua Carta Encíclica Laudato si’, chamou a atenção para os deveres e a corresponsabilidade em relação à casa comum. “Ninguém se salva sozinho”.
Perante o eclodir de tantas guerras nos últimos anos, com horrores desumanos e inúmeras mortes e destruições, o Papa Francisco levantou incessantemente a sua voz implorando a paz e convidando à sensatez, a uma negociação honesta para encontrar soluções possíveis, porque a guerra – dizia ele – é apenas morte de pessoas e destruição de casas, hospitais e escolas. A guerra deixa sempre o mundo pior do que estava: é sempre uma derrota dolorosa e trágica para todos.


“Construir pontes e não muros” é uma exortação que ele repetiu muitas vezes, e o serviço da fé como Sucessor do Apóstolo Pedro esteve sempre unido ao serviço do homem em todas as suas dimensões
Em união espiritual com toda a comunidade cristã, estamos aqui em grande número a rezar pelo Papa Francisco, para que Deus o acolha na imensidão do seu amor.


O Papa Francisco costumava concluir os seus discursos e encontros dizendo: “Não vos esqueçais de rezar por mim”. Querido Papa Francisco, agora pedimos-Vos que rezeis por nós e que, do céu, abençoeis a Igreja, abençoeis Roma, abençoeis o mundo inteiro, como fizestes no domingo passado, do balcão central desta Basílica, num último abraço a todo o povo de Deus, mas também, idealmente, à humanidade que procura a verdade de coração sincero e segura bem alto a chama da esperança”.