A gerente de relações institucionais do Trata Brasil, Cintia Torquetto, durante entrevista ao BC TV

“A escassez de água no Brasil deixou de ser uma preocupação restrita às torneiras e passou a ser uma questão central para a economia, a saúde e a qualidade de vida”, afirmou Cíntia Torquetto, gerente de Relações Institucionais do Instituto Trata Brasil, em entrevista ao BC TV, do portal Brasil Confidencial, nesta quarta-feira (29).

A entrevista foi conduzida pelos jornalistas Camila Srougi e Germano Oliveira.

Nesta semana, o Instituto Trata Brasil divulgou um novo relatório com projeções sobre a redução significativa na oferta hídrica nas próximas décadas, com pressão crescente sobre os sistemas de abastecimento.

Torquetto aponta que o desperdício de 40% da água tratada e os efeitos das mudanças climáticas são ameaças reais à segurança hídrica nacional e exigem ações urgentes de gestão, investimento e eficiência.

“O Brasil tem grandes desafios para garantir água para todos até 2050. A demanda vai crescer por causa da população, da economia e da universalização do saneamento. Se não começarmos a reduzir perdas e usar melhor os recursos hídricos, o risco de falta de água é real”, alertou Cíntia.

Segundo o estudo, o país já enfrenta perdas médias de 40% na distribuição de água tratada — o equivalente a 7 bilhões de metros cúbicos por ano, volume suficiente para suprir a demanda projetada até meados do século.

“Cada ponto percentual de eficiência recuperado representa bilhões de litros economizados. Zerar as perdas é impossível, mas reduzi-las é viável e urgente”, explicou.

O relatório também aponta que a oferta hídrica nacional pode cair 3,4% ao ano, com regiões como o Nordeste e o Centro-Oeste sujeitas a períodos de racionamento de até 30 dias anuais. Em cenários mais extremos, esse total pode chegar a 50 dias sem abastecimento.

Cíntia destacou que os impactos das mudanças climáticas já são visíveis em ecossistemas essenciais, como o Pantanal e a Amazônia, e defendeu que o país precisa “agir agora” para evitar o agravamento do quadro. Entre as alternativas tecnológicas, ela citou o reúso de água e, em casos específicos, a dessalinização — prática adotada em países como Israel.

“Toda tecnologia é bem-vinda, mas antes de pensar em buscar água no mar, precisamos parar de desperdiçar a que já tratamos”, ressaltou.

A gerente também reforçou o papel das empresas no enfrentamento da crise hídrica. Entre as três medidas prioritárias para o setor produtivo, ela mencionou: a detecção e correção de vazamentos internos, o investimento em reúso de água industrial e a adoção de sistemas mais eficientes de irrigação.

No âmbito doméstico, Cíntia recomendou ações simples, mas de grande impacto coletivo, como a captação de água da chuva, o reaproveitamento da água da máquina de lavar e a redução do uso de mangueiras para limpeza de calçadas.

“São pequenas gotas que, somadas, fazem a diferença”, afirmou.

Questionada sobre a COP30, que colocará a água no centro da agenda climática mundial, Cíntia defendeu que o Brasil deve aproveitar o momento para atrair novos financiamentos e fortalecer a governança hídrica, sobretudo em cidades menores.

“A biodiversidade, a mudança climática e a água são temas inseparáveis. Precisamos de segurança jurídica e planejamento para transformar compromissos em resultados concretos”, disse.

Para ela, o relatório do Trata Brasil é mais do que um alerta — é uma oportunidade para agir antes que a escassez cobre um preço mais alto em saúde, produtividade e desenvolvimento.

“Ainda dá tempo de agir. Mas a lição de casa precisa começar agora”, concluiu.

📺 A entrevista completa está disponível no canal BC TV:

Em estudo, ANA confirma risco de escassez hídrica

Bacia do Tocantins-Araguaia, que ocupa uma parte do Mato Grosso e parte significativa de Goiás. (Reprodução)

O Centro-Oeste brasileiro, responsável por cerca de 50% da produção nacional de grãos e protagonista do agronegócio nacional, pode enfrentar uma redução drástica na disponibilidade de água nos próximos anos, segundo estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que aponta que a oferta hídrica na região pode cair até 40% até 2040, em meio aos impactos das mudanças climáticas.

Formada por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e o Distrito Federal, a região colheu mais de 160 milhões de toneladas de grãos na safra 2024/2025, com destaque para soja, milho e algodão.

Mato Grosso lidera a produção nacional de soja. A pecuária também tem peso relevante, com Goiás e Mato Grosso entre os maiores exportadores de carne bovina do país.

Em 2025, o Centro-Oeste consolidou sua posição como líder nacional na produção de grãos, contribuindo com aproximadamente metade das 322,25 milhões de toneladas colhidas no Brasil.

Polo de Agricultura Irrigada de Mato Grosso do Sul: a água é fundamental para o sucesso da produção agrícola. (Reprodução)

O setor agropecuário da região deve registrar crescimento de 6% neste ano, revertendo a queda de 6,1% observada em 2024. Segundo a consultoria Tendências, o Centro-Oeste será a única região brasileira a acelerar seu PIB em 2025, com alta de 2,8%, superando a média nacional.

A infraestrutura hídrica, por sua vez, enfrenta um desafio maior: a escassez de água.

O estudo “Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil”, lançado pela ANA em janeiro de 2024, projeta queda na disponibilidade de água nas bacias hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste. A análise inédita em escala de sub-bacias foi elaborada para orientar políticas públicas e decisões de planejamento nos setores de recursos hídricos e saneamento básico.

No Centro-Oeste, os modelos climáticos apresentam divergências, o que gera incertezas sobre o comportamento futuro do clima. Ainda assim, os especialistas recomendam medidas preventivas.

“Mesmo diante das incertezas, é preciso considerar cenários de escassez hídrica e aprimorar os instrumentos de tomada de decisão”, afirma o relatório.

A região abriga nascentes de rios estratégicos, como Tocantins, Araguaia, Paraguai e afluentes do Paraná. A redução da oferta hídrica pode comprometer o abastecimento urbano, a geração de energia hidrelétrica e a produção agrícola.

A ANA alerta que é fundamental buscar fontes alternativas de água, promover o uso racional do recurso e fortalecer a infraestrutura hídrica para tornar as populações mais resilientes. O relatório também destaca que o Sul é a única região com tendência de aumento na disponibilidade de água, estimada em até 5% até 2040, embora com maior risco de cheias e inundações.