O jornalista Chico Otávio, durante entrevista ao BC TV

A Operação Contenção, realizada no último dia 28 pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Complexo do Alemão, foi tema da entrevista desta segunda-feira à noite (3) com o jornalista Chico Otávio, no programa BC TV, do portal Brasil Confidencial.

A ação, que completa oito dias nesta terça-feira (4), terminou com saldo de 121 mortos — entre eles, quatro agentes de segurança pública — e sem a prisão das principais lideranças do Comando Vermelho, alvo declarado da operação.

Nos últimos dias, vem se intensificando o debate sobre a eficácia das operações letais do gênero, a responsabilização do Estado e o papel da imprensa diante de versões oficiais que, frequentemente, omitem mais do que esclarecem.

“O jornalismo precisa desconfiar das versões oficiais”, afirmou Chico Otávio, referência nacional na cobertura de segurança pública.

A frase resume não apenas sua postura profissional, mas também uma crítica à forma como o Estado conduz — e comunica — ações de repressão em territórios periféricos.

Letalidade policial e ausência de resultados

Com mais de quatro décadas de atuação na imprensa carioca, o jornalista cobriu episódios emblemáticos da história recente do Brasil, como os massacres da Candelária e de Vigário Geral, além do assassinato da vereadora Marielle Franco. Para ele, a letalidade policial não pode ser confundida com eficiência.

“O sucesso de uma operação não se mede pelo número de mortos, mas por indicadores concretos de redução da violência. Eu nunca vi resultado prático em chacinas. Não houve um único acréscimo na sensação de segurança pública no Rio de Janeiro em 30 anos”, disse.

Segundo o governo estadual do Rio, a operação visava desarticular o núcleo de comando do Comando Vermelho. No entanto, os principais alvos escaparam. “É preciso perguntar: se os líderes não foram presos, o que justifica 121 mortes?”, questionou o jornalista.

Escalada da violência e risco de naturalização

A ação foi uma das mais letais da história recente do estado. Em meio à comoção, o governo do Rio defendeu a operação como “necessária” e “cirúrgica”. Chico Otávio contesta essa narrativa.

“Pensem muito bem antes de dar mais poder à polícia do Rio de Janeiro. As mesmas pessoas que hoje apoiam as operações podem ser vítimas amanhã”, alertou.

Para o repórter, há um processo de naturalização da violência estatal, especialmente quando as vítimas são moradores de favelas.

“O que está em jogo é a banalização da morte. Quando o Estado entra em uma comunidade e sai deixando dezenas de corpos, sem capturar os alvos principais, isso não é política de segurança. É barbárie.”

ADPF das Favelas e responsabilização do Estado

A decisão do Supremo Tribunal Federal que resultou na ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, estabeleceu limites para operações policiais em comunidades, exigindo medidas como o uso de ambulâncias, a preservação de escolas e postos de saúde, e a comunicação prévia ao Ministério Público.

Chico Otávio considera a norma um avanço civilizatório.

“Ela não é inimiga do combate à criminalidade, pelo contrário. Estabelece o mínimo de racionalidade e respeito à vida. Quem pode ser contra isso?”, indagou.

O jornalista também defendeu que o governador Cláudio Castro (PL) pode ser responsabilizado pelas mortes.

“É perfeitamente possível que haja responsabilização civil e até criminal. Não é razoável achar que a matança é solução para a segurança pública.”

Jornalismo sob pressão: entre a velocidade e a verdade

Em tempos de redes sociais e disputas de narrativa, Chico Otávio defende o rigor na apuração.

“Hoje, o desempenho é medido pela velocidade, mas a pressa não pode atropelar a precisão. Se você tem uma boa rede de fontes, dá para publicar rápido sem abrir mão da verdade.”

Ele citou como exemplo o trabalho que realizou ao lado da repórter Vera Araújo no caso Marielle Franco.

“Tínhamos nossa própria linha de apuração. Fizemos uma investigação paralela, dentro dos limites do jornalismo. Isso ajudou a mudar o rumo da investigação oficial.”

Para Chico, o jornalismo deve manter sua independência diante de versões oficiais, especialmente em contextos de violência de Estado.
“Eu nunca comprei versão oficial. Dá mais trabalho, mas é a única forma de garantir um trabalho imparcial.”

Compromisso com a verdade

Ao longo da entrevista, os apresentadores Camila Srougi e Germano Oliveira destacaram a trajetória de Chico Otávio, que atuou em veículos como O Globo e O Estado de S. Paulo, venceu prêmios como o Esso de Jornalismo e hoje também se dedica à formação de novos profissionais.

“O nosso papel é entregar ao público todas as visões possíveis, sem se deixar capturar por interesses de um lado só. A verdade nunca é simples — mas é o que a gente deve buscar, sempre.”

📺 A entrevista completa está disponível no canal BC TV: