Carlos Eduardo Bellini Borenstein

Carlos Eduardo Bellini Borenstein*

O julgamento da ação penal da trama golpista, que deve levar à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), traz repercussões importantes sobre a conjuntura política.

A provável condenação de Bolsonaro – e dos demais integrantes do chamado núcleo crucial da trama – estabelece uma quebra de paradigma na forma como as instituições lidam com as tentativas de ruptura da ordem democrática.

O julgamento mantém, por um lado, o desgaste político de Jair Bolsonaro elevado. No entanto, de outro, Bolsonaro segue como o principal cabo eleitoral da direita. Embora a direita permaneça dependente do bolsonarismo, o antibolsonarismo é um pilar importante da estratégia do presidente Lula (PT) para 2026. Soma-se a isso a defesa da democracia e da soberania nacional, que foi apropriada pelo governo em meio aos ataques impostos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil.

Entretanto, Lula terá desafios importantes pela frente. O fato de as pesquisas indicarem que a desaprovação ao governo supera a aprovação, mesmo com bolsonarismo enfrentando seu pior momento, e o Brasil sendo visto internacionalmente como uma referência na defesa da democracia em meio a pressão política exercida pelos Estados Unidos, são sinais de que a agenda ancorada na defesa da democracia e da soberania nacional tem limites.

Segundo a pesquisa do instituto Quaest divulgada em agosto, antes do julgamento da trama golpista, 49% dos entrevistados consideravam injusta a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Outros 39% afirmaram que a punição foi justa. A Quaest mostrou também que 46% são favoráveis ao impeachment de Moraes, enquanto 43% são contrários. Questionados se Jair Bolsonaro participou do plano da tentativa de golpe, 52% afirmaram que sim. 36% responderam que não.

Mesmo que a maioria considere injusta a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes e entenda que Bolsonaro participou da tentativa de golpe, os números da Quaest mostram um país polarizado. Mesmo diante das evidências existentes em relação a trama golpista, uma parcela importante da opinião pública está alinhada com as teses mais radicais do bolsonarismo.

Outro desafio para Lula envolve a economia. Apesar dos indicadores positivos de crescimento econômico e emprego, as pesquisas indicam que a maioria dos brasileiros consideram que a economia está no rumo errado. Ou seja, a percepção da opinião pública em relação a economia contrasta com os indicadores econômicos propagados pelo governo.

A provável condenação de Jair Bolsonaro não deve mudar o cenário político. A disputa do lulismo contra o bolsonarismo seguirá organizando a política nacional. Mais do que isso, a questão democrática não será resolvida com o julgamento no STF. Enquanto o julgamento da trama golpista ocupa um espaço de destaque nos principais meios de comunicação no país, está em curso nos bastidores a construção do projeto anti-Lula para 2026.

Liderados por parte importante dos partidos do chamado centrão – sobretudo, o PP, União Brasil e Republicanos, que nessa semana anunciaram seu desembarque da base aliada – e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cresce a pressão no Congresso pela votação do projeto que anistia os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Não por acaso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), antes resistente a pautar o projeto, passou a admitir a possibilidade de votar a anistia. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também fala em anistia, embora prometa votar um texto alternativo, sem beneficiar Bolsonaro.

Independente de Jair Bolsonaro ser beneficiado ou não pela anistia – e mesmo que a anistia não seja aprovada – os movimentos de Tarcísio e do centrão nos bastidores em Brasília indicam que a direita avança na construção de seu projeto para 2026. Esse projeto passa pelo aval de Jair Bolsonaro, já que Tarcísio só deve assumir a condição de candidato a presidente se tiver o apoio da família Bolsonaro.

Lula parece ter enxergado essa movimentação em curso no tabuleiro estrutural da política. Não por acaso, desde a última reunião ministerial, o presidente passou a atacar Tarcísio, explorando seu vínculo com Bolsonaro. No que diz respeito a política de alianças, dificilmente Lula conseguirá atrair formalmente partidos que não sejam do espectro de esquerda. A alternativa disponível para Lula é estimular a divisão no centrão, buscando acordos com essas siglas, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.

O julgamento da trama golpista, quebrando um paradigma na forma como lidamos com tentativa de rupturas institucionais, é um fato relevante, fortalecendo Lula e o STF como protagonistas na defesa da democracia. Ancorado também na defesa da soberania, Lula deve pautar a campanha da reeleição pela narrativa nacionalista. Por isso, o slogan do governo foi trocado de “União e Reconstrução” para “Governo do Brasil, do lado do povo brasileiro”.

Embora lidere os cenários estimulados de 2026, Lula terá uma eleição difícil pela frente, principalmente diante das articulações em curso unindo Tarcísio e o centrão, que através da defesa da anistia fazem acenos a Bolsonaro de olho em seu capital eleitoral.

Neste complexo cenário em que o país se encontra, eventuais novas sanções por parte dos Estados Unidos, embates com o STF, principalmente se a anistia for aprovada, e protestos nas ruas continuarão desafiando a democracia. Mesmo com a derrota da trama golpista, a imprevisibilidade e a instabilidade continuarão presentes.

Apesar do julgamento da trama golpista desgastar o bolsonarismo e respingar também em Tarcísio, a correlação de forças no país é favorável à direita. Protagonista na defesa da democracia – narrativa que pode perder fôlego se a anistia for aprovada – Lula precisa construir uma marca para seu terceiro governo, já que a agenda em defesa da soberania aponta limites. Como o julgamento foi politizado e o eleitor está mais crítico em relação aos governos e a política, levará vantagem quem construir uma agenda de futuro, indo além da temas como os ataques às instituições e a defesa da democracia e da soberania.

*Carlos Eduardo Bellini Borenstein, Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharel em Ciência política (ULBRA-RS). Especialista em Ciência Política (UFRGS). Tem MBA em Marketing Político (Universidade Cândido Mendes).