Membro da Comissão Arns de Direitos Humanos, Belisário dos Santos Júnior durante entrevista ao BC TV

Enquanto Belém se prepara para receber a COP30 — a maior conferência climática do mundo — no próximo mês, vozes críticas alertam para um cenário de contradições e negligência institucional no restante do estado do Pará.

Em entrevista ao programa BC TV, do Brasil Confidencial, exibido nesta terça-feira (21), o jurista Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e membro da Comissão Arns de Direitos Humanos, fez duras críticas à situação fundiária, à segurança pública e às políticas ambientais do país.

“A capital estará cercada de segurança, mas o interior do Pará está completamente exposto. O risco é termos uma ‘ilha de ordem’ para a comunidade internacional ver, enquanto o restante do estado segue entregue ao caos”, afirmou Belisário.

Segurança seletiva e a vitrine internacional

A floresta amazônica é alvo de madeireiros, garimpeiros e pecuaristas. (Foto: Redes Sociais)

A Operação Marajoara, coordenada pelo governo federal, promete mobilizar Forças Armadas, batedores, blindados e defesa aérea para garantir a segurança da COP30. Belisário reconhece o esforço, mas questiona a lógica da proteção concentrada apenas na capital.

“O temor com terrorismo, ciberataques e desordem pública é legítimo. Mas, enquanto Belém será fortemente vigiada, o resto do estado continuará vulnerável. Isso precisa ser revisto”, disse.

O jurista também apontou problemas logísticos e estruturais que ameaçam o sucesso do evento. Segundo ele, a precariedade da infraestrutura urbana, os altos preços de hospedagem e a desistência de delegações — como a da Áustria — por dificuldades financeiras e operacionais revelam falhas na preparação.

Violência estrutural e poder paralelo

As queimadas na floresta emitem gás carbônico, que que agrava o aquecimento global. (Foto: CUT)

Belisário descreveu um cenário alarmante no sul e sudeste do Pará, onde grupos armados atuam a serviço de interesses econômicos locais. A ausência do Estado, segundo ele, permite que pistoleiros contratados por empresários imponham medo e desrespeitem direitos fundamentais.

“Há uma inversão de valores: quem deveria estar preso está solto, e quem é ameaçado se vê forçado a abandonar suas terras. São mais de 200 mandados judiciais não cumpridos”, afirmou.

“O Estado perdeu o controle. Quem manda são pistoleiros contratados por interesses empresariais.”

A crítica se estende ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ao governo estadual, que, segundo o jurista, falham em implementar políticas públicas eficazes. O resultado é um colapso fundiário que agrava conflitos no campo e fragiliza comunidades tradicionais.

Contradições ambientais: petróleo na Amazônia

A entrevista também abordou a autorização do Ibama para exploração de petróleo na margem equatorial da Amazônia. Para Belisário, a decisão contradiz o discurso ambiental que o Brasil pretende apresentar na COP30.

“Como o país vai defender o combate às mudanças climáticas enquanto autoriza a exploração de petróleo a poucos quilômetros da floresta amazônica?”, questionou.

“Isso pode virar uma nova Serra Pelada, com migração desordenada, aumento da violência e pressão sobre as comunidades tradicionais.”

O jurista relatou ter visitado a região da Transamazônica, onde observou desmatamento severo em áreas não indígenas, contrastando com a preservação promovida por comunidades originárias.

Propostas e recomendações

Belisário defende que “a COP30 seja mais do que uma vitrine diplomática”. Para ele, o evento precisa catalisar mudanças estruturais no Pará e em outras regiões vulneráveis da Amazônia. Entre as medidas propostas, estão:

  • Reforço federal permanente no estado
  • Ordenamento fundiário urgente
  • Estímulo a boas práticas empresariais com responsabilidade social
  • Proteção efetiva a defensores de direitos humanos e lideranças indígenas
  • Combate à disseminação do ódio e da violência política no campo

“O mundo estará olhando. A COP30 pode ser uma oportunidade, mas também um teste ético e político. Não basta oferecer segurança para chefes de Estado se continuarmos permitindo que camponeses, indígenas e trabalhadores morram no esquecimento”, concluiu.

📺 A entrevista completa está disponível no canal BC TV:

Brasil quer ser protagonista no encontro do clima

Quando o mundo olha para o futuro do planeta, seus olhos se voltam para a floresta.

Em novembro, Belém — coração da Amazônia — se transforma no epicentro das decisões climáticas globais.

A COP30, conferência da ONU sobre mudanças do clima, desembarca na capital paraense com uma missão urgente: transformar promessas em ação, discursos em políticas, e esperança em sobrevivência.

De 10 a 21 de novembro, líderes internacionais, cientistas, ativistas e representantes da sociedade civil ocuparão ruas, auditórios e praças da cidade para debater o que ainda pode ser feito diante de um planeta em alerta vermelho. E o Brasil é o anfitrião do evento.

Uma conferência com propósito

A COP30 será dividida em dias temáticos, com mais de 30 tópicos interconectados, entre eles transição energética, justiça climática, biodiversidade, financiamento verde e inovação tecnológica.

As atividades ocorrerão em dois espaços principais: a Zona Azul, com acesso restrito às delegações oficiais, e a Zona Verde, aberta ao público credenciado, onde serão realizados painéis, exposições e eventos paralelos.

Segundo o comitê organizador, o foco da conferência será a implementação efetiva dos compromissos assumidos nos acordos anteriores, especialmente o Acordo de Paris. A meta é clara: transformar promessas em ações concretas, com ênfase na redução de emissões, proteção de ecossistemas e financiamento climático para países em desenvolvimento.

Belém como palco global

A escolha de Belém como sede da COP30 não foi casual. Situada no coração da Amazônia, a cidade representa um ponto estratégico para o equilíbrio climático do planeta. “Realizar a conferência na Amazônia é uma forma de colocar os olhos do mundo sobre a floresta e suas populações, que são parte da solução climática”, afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.

O governo brasileiro vê o evento como uma oportunidade de reafirmar seu papel como articulador global na agenda ambiental, apesar de nesta semana ter anunciado uma decisão de prospectar petróleo na Margem Equatorial, algo bastante discutível do ponto de vista ambiental.

Mesmo assim, a realização da COP30 no Pará simboliza um compromisso renovado com a preservação da Amazônia e com o protagonismo do país nas negociações internacionais.

Infraestrutura e legado

Para receber os mais de 57 mil inscritos e representantes de países, Belém passou por uma ampla reestruturação urbana. Foram investidos cerca de R$ 5 bilhões em obras de infraestrutura, incluindo a construção de centros de convenções, ampliação da rede hoteleira e reforma de espaços públicos.

“Já chegamos a 98% de todas as obras prontas”, disse o governador do Pará, Helder Barbalho.

“Entregamos o ambiente onde será a Zona Azul e a Zona Verde. A área portuária de Belém está toda pronta, os canais de macrodrenagem foram concluídos, e a maior estação de tratamento de esgoto já está inaugurada, beneficiando 10 bairros. Na próxima semana, vamos inaugurar o sistema BRT, com 8 km de nova mobilidade urbana, além do novo aeroporto da cidade.”

O papel do Brasil

Durante a conferência, o Brasil pretende apresentar um plano de combate ao desmatamento, ampliação de energias renováveis e inclusão de comunidades tradicionais nas políticas climáticas. O governo federal promete metas mais ambiciosas de redução de emissões e pretende cobrar maior responsabilidade dos países ricos no financiamento climático.

“O Brasil tem uma oportunidade histórica de liderar pelo exemplo”, declarou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. “A COP30 será um teste de coerência entre o discurso ambiental e as ações concretas.”

Adaptação climática em foco

A COP30 ocorre em um momento crítico, com o planeta enfrentando eventos extremos como secas, enchentes e ondas de calor. A meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C, conforme previsto no Acordo de Paris, exige urgência e cooperação internacional.

O tema da adaptação climática ganha destaque na conferência. Segundo relatório da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, divulgado em 21 de outubro, pelo menos 144 países já lançaram seus planos nacionais de adaptação — com foco em agricultura, segurança alimentar, recursos hídricos e zonas costeiras.

O Brasil figura entre os países que já implementam ações concretas, como o projeto “Marajó Resiliente”, voltado ao setor hídrico. Na América Latina, o Peru se destaca pela proteção de ecossistemas, enquanto na África, a Zâmbia investe em armazenamento de alimentos com energia solar. No Haiti, iniciativas combinam cupons de alimentos com associações de poupança e crédito, reconhecendo que os impactos climáticos afetam homens e mulheres de forma distinta.

Financiamento: o desafio central

Apesar dos avanços, o financiamento para implementar as adaptações climáticas enfrenta obstáculos. “O debate passa agora da fase de planejamento para a de implementação”, afirmou Simon Stiell, Secretário-Executivo da ONU sobre Mudanças Climáticas. Segundo ele, o roteiro da COP30 prevê a mobilização de até US$ 1,3 trilhão em financiamento climático.

Calendário oficial

Antes da abertura da COP30, Belém sediará eventos preparatórios:

3 a 5 de novembro — Fórum de Líderes Locais
6 e 7 de novembro — Cúpula do Clima de Belém, com chefes de Estado
10 a 21 de novembro — COP30: Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima

Com a Amazônia como pano de fundo e o Brasil no centro das decisões, a COP30 promete ser mais do que uma conferência: será um marco na luta global contra a crise climática.