Luiz Flávio Borges D’Urso

Luiz Flávio Borges D’Urso

No calendário da Igreja Católica, 19 de maio é dedicado à memória de um personagem notável, cuja vida inspira há séculos não apenas juristas, mas todos os que creem na justiça como uma expressão do amor cristão: Santo Ivo de Kermartin, o advogado dos pobres, proclamado patrono dos advogados, juízes e defensores públicos. Em tempos de tantas distorções na missão de advogar, recordar Santo Ivo significa resgatar o verdadeiro sentido do exercício do Direito como instrumento de equidade, defesa dos injustiçados e aproximação com o divino.

Santo Ivo nasceu em 17 de outubro de 1253, na região da Bretanha, França, em uma família nobre. Contudo, desde cedo revelou desprendimento material e profunda sensibilidade para com os necessitados. Estudou Filosofia, Teologia e Direito nas renomadas universidades de Paris e Orleans, formando-se em Direito Canônico e Civil — o que o tornava um jurista completo, preparado para atuar em tribunais eclesiásticos e civis.

Aos 30 anos, foi nomeado juiz eclesiástico e, posteriormente, tornou-se advogado. Recusava-se a cobrar honorários de quem não podia pagar, atitude que lhe rendeu o título popular de “advogado dos pobres”. Sua atuação nos tribunais era pautada pela ética, busca da verdade e um profundo senso de caridade cristã. Santo Ivo tinha um dom especial para conciliar litígios sem recorrer a punições severas, sempre buscando soluções pacíficas e justas.

Entre os episódios marcantes de sua vida, destaca-se uma célebre história em que Santo Ivo defendeu uma viúva contra um poderoso senhor feudal. O caso parecia perdido devido à desigualdade de forças, mas, com destreza e profunda argumentação jurídica, ele provou que o contrato exigido pelo senhor era fraudulento. Sua eloquência comoveu a corte, e a justiça foi feita. Esse episódio circulou amplamente na Bretanha, reforçando sua reputação como defensor dos fracos.

Outro episódio marcante ocorreu quando Santo Ivo foi impedido de usar sua toga por ordem de um acusador influente. Comparecendo ao tribunal sem ela, teria dito: “É a verdade que me veste. E esta toga, ninguém pode tirar”. E, de fato, venceu a causa.

Além disso, há relatos de milagres atribuídos a ele, inclusive em vida. Certa vez, teria multiplicado pães para alimentar os famintos de sua comunidade. Em outra ocasião, ajudou uma mulher grávida a dar à luz com segurança, apenas impondo as mãos e fazendo uma oração — fato que lhe rendeu fama de intercessor junto aos doentes e desesperados.

Santo Ivo faleceu em 19 de maio de 1303, aos 50 anos, e foi imediatamente reverenciado pelo povo como santo. Sua canonização ocorreu em 1347, pelo Papa Clemente VI, apenas 44 anos após sua morte — um dos processos mais rápidos da história da Igreja. Seu corpo repousa na catedral de Tréguier, onde, desde o século XIV, ocorre uma tradicional procissão de advogados, juízes e oficiais da Justiça, em traje de gala ou vestes acadêmicas, para homenageá-lo. Trata-se de um raro exemplo de devoção que une fé e Direito, sagrado e profano, moral e Justiça.

No Brasil e no mundo, advogados celebram 19 de maio não apenas como o dia de seu patrono, mas como um lembrete do compromisso ético que deve nortear a profissão. Em um tempo em que o Direito muitas vezes é instrumentalizado por interesses escusos, recordar Santo Ivo significa reconectar a advocacia ao seu ideal originário: a defesa dos direitos humanos, o combate às injustiças e a dignidade da pessoa humana.

Santo Ivo, em seu tempo, enfrentou estruturas opressoras, resistiu à corrupção e foi um farol de retidão moral. Para os advogados de hoje, sua trajetória permanece como um chamado à vocação: servir à Justiça com coragem, sabedoria, fé e compaixão.

Como ele próprio disse certa vez, em uma frase de profunda inspiração:

“Advogado, lembra-te: tua língua é espada, tua justiça é escudo, tua missão é servir, e tua causa maior é o ser humano.”

Que a vida frutífera e a memória perene de Santo Ivo inspire cada operador do Direito a fazer da profissão um verdadeiro sacerdócio da Justiça.

*Luiz Flávio Borges D’Urso é advogado, ex-presidente da OAB-SP, professor-doutor.