Gudryan Neufert

Gudryan Neufert*

O Brasil venceu e convenceu no Maracanã. Mas, como sempre, uns foram melhores que outros.

No primeiro tempo, Estevão garantiu o passaporte para a Copa. A dúvida que fica é se, com o retorno de Vini Jr., terá lugar de titular. Eu espero que sim. Futebol não se mede só em hierarquia de craques: às vezes, é a coragem de um menino que abre caminho.

No segundo tempo, as emoções subiram. Paquetá entrou com sua cadência meio descompassada, meio genial, e Luiz Henrique incendiou o jogo. O ex-atacante do Botafogo parece jogar com a naturalidade de quem veste a camisa da seleção desde sempre. Para mim — hoje — seria também titular. Tem força, tem ginga. É a epifania entre o futebol sul-americano e o europeu.

João Saldanha, o botafoguense de língua afiada, talvez diria que Luiz Henrique não sente o peso da amarelinha porque quem nasceu para ser jogador não precisa de manual de instruções. Saldanha sempre acreditou que o futebol é coisa simples: bola no pé, coragem no peito e cabeça erguida. Luiz Henrique joga assim — simples e inevitável.

Ancelotti parece ter entendido essa receita. Tenta costurar, com calma italiana e café brasileiro, um sistema tático que una os dois continentes. Esses dias, até me vi discutindo no X sobre o velho e polêmico 4-2-4.

Lembrei que o inventor do sistema foi Martim Francisco, um português-brasileiro descendente de José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Martim levou o Vila Nova de Nova Lima ao título mineiro de 1951 com essa ousadia.

Procópio Cardoso, ex-jogador e técnico em Minas, discordou da minha lembrança. Disse, com veemência, que o verdadeiro criador foi Ondino Vieira, no Botafogo de 1947. Segundo ele, foi Ondino quem recuou um zagueiro para segurar Ademir, o “Fenômeno” da época. Alguns dizem que essa versão nasceu do orgulho vascaíno de enaltecer Ademir e virou verdade conveniente.

Seja como for, o 4-2-4 é um sistema que vem de longe. Só não foi campeão do mundo em 1958 porque Zagallo transformou a ponta em meio-campo, inventando o 4-3-3. Uma revolução silenciosa.

Hoje, as táticas mudam ao longo do jogo, mas ainda há quem se espante com quatro atacantes. O que leva um “conservador” como Ancelotti a escalar assim? O fato de que esses quatro atacantes, agora, também são quatro marcadores. São os primeiros defensores. É a tal pressão, como se fossem quatro Zagalos. E, convenhamos, todo italiano gosta de defender — mesmo que seja com atacantes. Prova disso: em três partidas com Ancelotti, o Brasil não sofreu gols.

Resta saber se esses quatro terão fôlego para usar também seus talentos. Condições técnicas, todos têm. Contra o Chile, o encanto só veio no segundo tempo, quando havia pulmão fresco.

Ancelotti aposta que, no ano que vem, na América do Norte, a seleção terá não apenas pulmão para pressionar, mas também talento para marcar gols. Se essa dobradinha funcionar, o Hexa deixa de ser um sonho distante e vira apenas questão de tempo.

*Gudryan Neufert é jornalista, com passagens por TV Globo, TV Record e SBT, além de graduações em Jornalismo (PUC-PR) e História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).