Lindolfo Paoliello*
Escrevo para um amigo cuja mãe morreu e ocorreu-me dizer-lhe que as mães morrem para se tornarem anjos. É o início de uma reflexão sobre o mistério da morte.
A morte das mães é o último e mais belo gesto de amor de quem teve a graça da maternidade. Sentindo-se impotente para assegurar, em sua plenitude, a felicidade do filho, aquela que lhe deu vida e lhe ofereceu, até então, tudo o que pôde, decide-se pelo inimaginável: oferecer-lhe a própria vida. Por isso as mães não morrem, tornam-se anjos. Para se superarem, como espíritos, na onipresença da vigilância e do carinho.
Mistério da morte, dor do luto. Tristeza que a memória dissipa docemente, substituindo-a pela alegria do que foi. A morte é a definitiva consciência do outro. As pessoas queridas que se vão nos tornam melhores, quando, por um milagre de empatia, transferem-nos seu exemplo de vida, virtudes, crenças. Nesse sentido, a morte não é perda. É acréscimo. Subtraindo a presença física, multiplica a frequência espiritual e nossa sensibilidade para percebê-la e segui-la.
Quantas vezes já sonhei que minha mãe renascia. O céu é a memória? Sinto-a muito mais perto. Está presente em tudo e sem o risco da perda, já que é vida ressuscitada, presença plena.
Abordo um tema que não agrada, perdoem-me. É uma gafe? Não, não é. É a uma pessoa específica que me dirijo, um amigo que perdeu um ser querido. Apenas me ocorreu que enriqueceria minha reflexão imaginar que outros estariam participando dela. Coisas de escritor. De resto, meditar sobre a morte é sempre fortalecer a vida. Vamos tratar de viver bem, porque aquilo que vivemos a morte não leva, e o futuro não importa porque ainda não foi.
*Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.