Erasmo Angelo
Erasmo Angelo

Erasmo Angelo*

Muitos seguem indagando, principalmente os mais jovens, o que aconteceu com o futebol durante e depois do nazismo.

Muito pouco – ou quase nada – tem sido abordado pela mídia sobre o que ocorreu com o esporte mais popular do Planeta como consequência da Segunda Guerra e das atrocidades nazistas.

Neste 8 de maio, data em que os europeus comemoram o Dia da Vitória, 80 anos de rendição da Alemanha em 1945 e o fim dos horrores da guerra em território europeu (na Rússia, as comemorações são no dia 9), vale pesquisar e registrar como viveu – ou sobreviveu – o futebol naquela época, para depois soerguer-se e se transformar na potência que é hoje em todo o mundo.

O conflito, que se estendeu a outros continentes, teve seu episódio final em 02 de setembro de 1945, com a assinatura da rendição do Japão após os Estados Unidos lançarem bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki (6 e 9 de agosto).

Os registros históricos apontam períodos de lamentável cumplicidade na relação política e esporte e no alinhamento do esporte com ideologias. A Europa como centro da questão.

As copas do mundo de 1934, na Itália, e 1938, na França, ambas já em plena inquietação mundial provocada pelo fascismo italiano e o nazismo alemão, deixaram marcas dolorosas no futebol.

O ditador italiano Benito Mussolini (no poder de 1922 a 1943) transformou a Seleção da Itália em símbolo do fascismo e forte fonte de propaganda internacional do regime. Pressionava árbitros, dirigentes, atletas. Fazia ameaças de toda sorte e comparecia às partidas de seleção. Uma forma de pressão, claro.

A glória do ditador foi a conquista do bicampeonato mundial pela Itália (1934/38). Em 1934, cometeu a barbaridade de, na semifinal, mandar o time jogar com camisas pretas, semelhantes às das milícias de Mussolini, ao invés do tradicional uniforme azul (“azurra”).

Na Alemanha nazista, a cúpula do futebol determinou que a Seleção usasse os símbolos do regime no uniforme, que trazia a águia com a suástica bordadas no peito. A Copa de 1938, disputada na França e com nítido viés político nazifascista, teria 16 participantes mas houve redução para 15 por causa da anexação da Áustria pela Alemanha que, acreditem, ainda convocou jogadores austríacos para formar na sua seleção. Pela força, certamente.

Caso dramático no regime nazista é o do Bayern de Munique, mais popular clube alemão. Foi campeão nacional em 1932 mas a partir de 1933, com a ascensão de Adolf Hitler ao poder (chanceler) e por causa da origem judaica do clube, o Bayern sofreu perseguições, humilhações, prisões e discriminações de toda ordem (dirigentes, sócios, torcedores). Virou mero figurante e rebaixado para a posição 81 na colocação do futebol no país.

O esfacelamento da estrutura do Bayern pesou na sua história. Na lenta recuperação da trágica era nazista o clube só voltou a comemorar o título nacional alemão na temporada 1968/1969.

Durante o conflito na Europa, campeonatos foram interrompidos em quase todos os países. Duas copas do mundo (1942 e 1946) e dois Jogos Olímpicos (1940 e 1944) foram cancelados. Na Inglaterra, o tradicional Campeonato Inglês foi suspenso em setembro de 1939 e só retornou com a temporada 1946/1947.

Logo na primeira Copa do Mundo disputada na Europa do pós-guerra, a de 1954, na Suíça, a competição foi envolvida em sério conflito político/ideológico. Vivia-se a tensão da chamada “Guerra Fria”, com aqueles rótulos de “democracia contra comunismo”, do “mundo livre contra a cortina de ferro”, “ocidente contra União Soviética”. E vai por aí. No centro da polêmica ideológica entre dois blocos, o futebol
 
A decisão da Copa colocou frente à frente a Alemanha Ocidental (havia a Alemanha Oriental, controlada pelos russos) contra o então poderoso e favorito time da Hungria, integrante do bloco soviético. A invicta Hungria havia sido campeã olímpica de 1952 e no seu currículo constava uma história goleada de 7 a 1 sobre a Inglaterra em pleno Estádio de Wembley.

Deu zebra. A Alemanha, que dias antes havia sido goleada por 8 a 3 pela própria Hungria nas oitavas de final da Copa, venceu por 3 a 2 após estar perdendo por 2 a 0. O título, pelo inesperado, foi denominado “Milagre de Berna” (cidade da decisão), conquistado com menos de 10 anos do horror nazista e comemorado como “recuperação do orgulho nacional alemão”.

Mas, a lembrança nazista não ficou esquecida nesta Alemanha campeã. Josef “Seep” Herberger, lendário treinador da seleção durante o regime nazista e confirmado após a guerra, era o técnico do time no “Milagre de Berna”. O famoso capitão da seleção campeã Fritz Walter, convocado no esforço de guerra da mobilização nazista, vestiu o uniforme da Wehrmacht, foi capturado pelos soviéticos e fugiu; o jogador mais novo seleção, Horst Ecket, foi obrigado a servir nas Juventudes Hitleristas e nas foças armadas do regime, como também seu colega de equipe Liebrich. Ouros jogadores serviram como soldados e os dirigentes trabalharam e aderiram ao regime.

Sob a ótica de hoje, e neste 8 de maio, data comemorativa dos 80 anos do fim dos horrores da era nazista, o feito daquela seleção da Alemanha Ocidental, obtido menos de 10 anos após a queda da tirania, deixa à mostra como o oportunismo faz o futebol ser usado para os mais diversos fins. Inclusive para reabilitar e normalizar a vida de participantes de tiranias.

É triste lembrar que a geração que integrava aquela seleção alemã cresceu sob o regime nazista e independente de ter sido contaminada ou não pela ideologia, lamentavelmente ela integrava uma sociedade que aceitou a ascensão nazista e a respaldou. A liberdade em que vivemos hoje faz com que jamais nos esqueçamos daquela dolorosa época que, a exemplo dos demais segmentos, foi trágica também para o futebol.

Felizmente, e para o bem do futebol, um novo e desprezível “Milagre de Berna” jamais se repetiu. Na Copa seguinte, a de 1958, na Suécia, conquistada pelo Brasil, um mago das pernas tornas, o genial Garrincha, e um garoto de 17 anos, o fabuloso Pelé, então iniciando seu “reinado” de muitos anos como o soberano dos estádios globo afora, fizeram o mundo ver que o futebol é apenas, e tão somente, um divertido jogo de bola.

*Erasmo Angelo é Jornalista, formado em História e Geografia pela PUC/MG. Foi Redator e Colunista do Jornal Estado de Minas dos Diários Associados, e do Jornal dos Sports/Edição MG, cobrindo o futebol e esportes no Brasil e no Exterior, em Campeonatos Mundiais de Futebol e em Olimpíadas. Atuou destacadamente na TV e na Rádio, na TV Itacolomi, TV Alterosa, Rádio Itatiaia, Rádio Guarani e Rádio Mineira. Foi Presidente da ADEMG – Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais, na administração do Mineirão e do Mineirinho. Foi Editor da Revista do Cruzeiro. Autor